Semana passada publiquei o artigo "Como adaptar o cachorro com o bebê" e não poderia deixar os gateiros e as gateiras desamparados! Então vamos para mais um post recheado de informação!
Primeiro de tudo, vamos logo tirar o elefante branco da sala: não vou falar nesse texto sobre a transmissão de toxoplasmose pelos gatos. Esse assunto merece um artigo exclusivo porque é um grande tabu que perpetua o preconceito contra os gatos e gera abandono desses animais!
A transmissão é possível sim, mas é muito rara! Então fica o recado: não se desfaça do seu gato (ou qualquer outro animal de estimação) por medo de contaminação por toxoplasmose. E se essa recomendação veio do seu médico, talvez seja interessante rever a escolha do médico.
Pra essas dicas trazidas aqui fazerem mais sentido, é interessante pensar nas características dos gatos. Eles são seres caçadores e territorialistas. Para que o gato esteja bem física e emocionalmente, ele precisa ter controle e se sentir seguro no seu território, principalmente através dos odores. Para os gatos, a nossa casa é o território dele. Comida, água, espaço, brinquedo e atenção são os seus recursos (e há estudos que indicam que os tutores são o recurso preferido deles!).
Assim que a mulher engravida, o gato já pode começar a alterar seu comportamento porque os hormônios femininos mudam muito e afetam tanto o odor corporal, quanto o comportamento da mulher. Essa alteração que é menos perceptível pra nós, já pode ser bastante significativa para os felinos. Então é bom começar a trabalhar com o gato assim que souber da novidade!
E vamos agora saber como fazer isso:
1- Estabeleça uma rotina
Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro seria esta: usem o filtro solar! estabeleça uma rotina para o gato!
Brincadeiras à parte, essa é realmente a principal dica para essa (e outras) questões comportamentais dos felinos. Tanto é que outras das dicas a seguir estão associadas à essa.
Defina horários de alimentação, estimulação (brincadeiras de caça) e manutenção da caixa de areia. Faça isso já pensando no que vocês acham que vão conseguir aplicar após a chegada do bebê. É claro que nos primeiros meses do recém-nascidos não existe muita rotina, mas as coisas vão se acomodando com o tempo (tenha fé!).
No mundo ideal, os tutores vão conseguir se dividir entre os cuidados do bebê e as outras funções da casa, inclusive a rotina do gato, ou ter uma rede de apoio. Então é bacana que isso já seja acordado de antemão com quem for estar envolvido com os cuidados após o nascimento.
Muitas mudanças vão estar acontecendo ao mesmo tempo na casa: cheiros e sons novos, movimentos atípicos, horários de sono alterados, etc. A rotina de cuidados vai trazer uma estabilidade e uma previsibilidade pro gato. Vão dar uma sensação de normalidade e controle em meio ao caos.
2- Deixe o gato participar das mudanças
Começam os preparativos e as novidades vão aparecendo na casa: roupinhas, berço e outros utensílios e brinquedos para o bebê. Permita que o gato participe desse momento, desempacote as coisas com ele. Deixa ele cheirar as roupinhas (vai ter que lavar tudo antes de usar, mesmo!). Deixa ele brincar com as caixas e com as embalagens.
Se você restringir o acesso dele às novidades, fechando tudo no quartinho do bebê, por exemplo, a tendência é que assim que ele tiver uma oportunidade, ele vai entrar no cômodo e tentar reassumir o controle do espaço deixando tudo com o cheiro dele. Isso significa fazer xixi em tudo e/ou arranhar os objetos (além da urina, eles marcam território com outras partes do corpo, se esfregando ou arranhando).
Por exemplo, montou um berço novo. Forra o colchão e as áreas mais delicadas com um tecido ou uma manta e deixa o gato explorar. Não precisa permitir que ele faça do berço a sua nova caminha, mas também não restrinja o acesso.
3- "Gatifique" o lugar onde o bebê vai ficar
Aproveitando o exemplo do berço acima, já vou emendar nessa dica aqui. Se possível, seja no quartinho do bebê, seja no ambiente onde vocês vão passar a maior parte do tempo, ofereça um espaço pro gato, que seja tão seguro pra ele quanto pro bebê, pra que ele possa observar e estudar as atividades que estão acontecendo sem precisar interagir com elas.
Por exemplo, no caso de um quartinho de bebê com berço e poltrona de amamentação, você pode colocar algumas prateleiras ou degraus sem objetos pra que o gato possa subir e descer livremente e ficar do alto observando as atividades. Outra ideia é colocar uma caminha ou rede para gato embaixo da cadeira de amamentação, do puff de apoio dos pés ou da mesinha de apoio, pra que ele possa ter um espaço específico para dormir e estar na sua companhia durante os períodos de amamentação.
Lembrando que esconderijos seguros e rotas de fuga são importantes recursos pra qualquer casa com gatos, porque muitas vezes eles não querem interagir com os outros seres da casa (outros animais de estimação, os próprios tutores, visitas, etc.). Com a chegada do bebê, além de ter um membro a mais na família, a tendência é de aumentar as visitações e as movimentações atípicas, então este espaço seguro se torna indispensável.
4- Acostume o gato ao choro do bebê
Em geral, existem duas reações do gato ao choro do bebê: ou ele ficará com medo, ou preocupado, afinal a tonalidade do choro do bebê é semelhante à do filhote de gato. Então é importante fazer um treinamento para dessensibilizá-lo.
O exercício de adaptação é muito parecido com o proposto para os cães, com a diferença que para os cães esse exercício é bastante visual enquanto para o gato é mais sonoro (também, com uma audição tão elaborada quanto a deles!).
Como fazer? Coloque pra tocar uma gravação de choro de bebê em um volume bem baixinho (você acha isso no youtube e pode usar o que preferir: celular, TV, tablet, computador). Numa distância considerável do som, comece a brincar com o seu gato ou alimentá-lo. O som deve estar alto o suficiente pro gato ouvir, mas baixo o suficiente pra ele não se assustar.
Depois que o gato já tiver feito 2 ou 3 sessões conseguindo ignorar o som e interagindo com você, é hora de aumentar mais um pouquinho o volume. O ideal é fazer sessões curtas e frequentes: duas ou três vezes por dia.
A meta é que o gato em nenhum momento se assuste com o som do choro do bebê. É como a confiança, você demora tempo pra conquistar a confiança de alguém, mas pra perder é rapidinho! Por isso, avance o treino gradualmente mas discretamente, evitando o estresse.
Assim como sugerido com os cães, você pode incorporar a esse treino a simulação de um dos tutores acalmando o bebê, falando com uma boneca no colo.
5- Use ferormônio sintético
Uma semana antes da chegada prevista do bebê, comece a usar um ferormônio sintético da face do gato (Feliway) que vai gerar conforto e segurança pra ele. Pluga numa tomada livre de móveis, oposta a uma saída de ar, no ambiente que o gato mais ocupa. É importante que tenha essa antecedência pra dar tempo do produto ter efeito no comportamento do animal.
6- Presenteie o gato com a chegada do bebê
Enquanto você estiver fazendo o enxoval do bebê, faça também o enxoval do gato (risos). Compre e guarde brinquedos novos, petiscos preferidos e outras coisas interessantes pra dar pro gato quando o bebê chegar.
Quando você introduz um bebê no ambiente, o gato pode interpretar como um potencial concorrente, assim como um gato novo. Precisamos simbolizar pro gato que ao invés de os recursos dele estarem ficando escassos e serem divididos, eles estão sendo multiplicados. É muito importante fazer uma associação positiva com a chegada do bebê.
7- Apresente primeiro o cheiro do bebê
Talvez a sua primeira reação seja levar o bebê até o gato ou o gato até o bebê para apresentá-los. Não faça isso. Assim como acontece na adaptação de um gato novo na casa, é interessante primeiro que o gato sinta o cheiro do novo morador.
Então apresente uma roupinha já usada do bebê para o gato pra que ele reconheça seu cheiro. Faça de forma positiva como se tivesse dando um presente pra ele. Se o parto for realizado fora de casa e for possível levar essa roupinha antes mesmo do bebê chegar, melhor ainda.
8- Deixe que o gato se aproxime quando estiver confortável
Continuando o tópico de cima, apresente o cheiro do bebê, mas deixe que ele se aproxime quando se sentir confortável e seguro. Não force. Provavelmente o gato estará com medo desse serzinho novo e vai precisar de um tempo de observação e estudo antes de se aproximar. Por isso a gatificação (dica 3) é muito interessante!
Quando ele for se aproximar, encoraje-o com voz de carinho. Mostre que está tudo bem. Não precisa se preocupar com a criança, são muito raras as situações em que um gato machuca o bebê. Se ele estiver irritado ou estressado, provavelmente ele vai demonstrar isso brigando com os tutores.
9- Ensine o bebê a interagir com o gato, sem repreender
Passado os primeiros meses, o bebê vai mostrar interesse no gato também! E nunca é cedo demais pra começar a educá-lo e facilitar essa interação.
Desde que a criança começa a ter os reflexos de puxar, pegar e agarrar, podemos mostrá-la como agir. Ensine como fazer carinho no gato e quais os lugares que ele gosta de receber carinho e os que ele não gosta. Mostrar como fazer é sempre melhor do que repreender!
Você pode aproveitar os brinquedos do gato pra ensiná-lo a brincar com ele. Senta no chão (ou tapetinho de EVA) com o bebê apoiado com as costas em você e auxilie o bebê a interagir com o gato usando, por exemplo, o brinquedo de varinha curta (que tem uma peninha na ponta, sem corda). Inclusive será uma ótima experiência pro desenvolvimento motor, sensorial e cognitivo da criança.
E quando a criança começar a engatinhar, é recomendado subir os comedouros e a caixa de areia pra evitar que mexa nelas. Mantenha os espaços seguros para o bebê e tranquilos para os gatos.
Muitas orientações boas, não é mesmo?! Confira abaixo a fonte e vamos colocar a mão na massa!
P.S.: Apesar das dicas apresentadas aqui estarem descritas para famílias gestantes, a maior parte das orientações se aplicam para outras configurações de chegada de uma criança, independente da idade.
As informações apresentadas aqui foram extraídas do episódio #72 - Como preparar seu gato e sua casa para a chegada de um bebê humano do Podcat, o podcast do Cansei de ser gato. Esse episódio contou com a participação da bióloga especialista em comportamento felino Dra. Juliana Damasceno.