Seja uma criança esperando para chegar no destino da viagem, ou um adulto na fila de um banco. Apesar de lidarmos melhor com isso quando estamos mais velhos, esperar é sempre difícil. E atualmente, temos um trunfo, que é o aparelho celular, que nos ajuda a suportar essas esperas, mas por outro lado, nos faz acreditar que tudo deveria ser mais instantâneo do que realmente é.
O tempo é algo externo a nós. Não importa o que fazemos: se estamos ocupados com algo que gostamos ou com algo que não gostamos, ou dormindo, o tempo passa. E a nossa percepção de tempo está associada ao movimento, ao comportamento, às ações.
Existem duas teorias sobre como percebemos o tempo, possivelmente complementares. Uma delas é a dos modelos intrínsecos, que diz que percebemos o tempo com todo o nosso corpo, que as nossas estruturas sensoriais coletam também informações de tempo, pois ele está presente em tudo. Estamos constantemente fazendo esse reconhecimento da passagem do tempo conforme as coisas acontecem a nossa volta. Quanto mais atentos estamos a uma atividade, com todos os sentidos possíveis (auditivos, visuais, táteis, talvez até olfatórios), mais fontes de informação temos e mais acurada é a nossa percepção de tempo. Essa teoria é inclusive bastante aplicada em empresas (desde bancos até empresas de tecnologia) na avaliação de experiência do cliente ou usuário. Um exemplo bem simples disso é quando uma página na internet ou um jogo no videogame está carregando, costumamos ver uma bolinha rodando, ou alguma outra animação que nos distraia. Se fosse uma tela parada, pela falta de movimento, teríamos a sensação de que o tempo é mais longo; com uma animação, nos distraímos e não prestamos tanto a atenção na passagem de tempo em si.
A outra é a dos modelos dedicados de percepção de tempo, o que quer dizer que existem áreas específicas do cérebro que funcionam para decodificar a passagem do tempo. Ele é organizado basicamente em três partes. A primeira são os gânglios da base, uma parte do cérebro que tem como função, entre outras, a coordenação motora. A coordenação motora está intimamente associada com o ritmo, não só o ritmo musical para tocar um instrumento ou dançar, mas para tudo. Nosso funcionamento biológico é organizado por fenômenos que ocorrem com uma periodicidade cíclica e repetitiva, como um reloginho interno. A segunda parte é o córtex pré-frontal, que observa esse relógio e julga de forma não-verbal a passagem do tempo, a frequência, se está rápido ou devagar. E por fim, essa avaliação do tempo vai para a região parietal, que vai transformar essa percepção em linguagem, e você poderá verbalizar: "Nossa, o ônibus está demorando pra chegar!".
O mais interessante dessa conversa toda é que nascemos com o cérebro imaturo, o qual vai se desenvolvendo conforme os estímulos externos que recebemos. Quando nascemos, já temos o reloginho interno funcionando, mas o córtex pré-frontal, aquele que observa o reloginho, é muito imaturo ainda! Do nascimento até os dois anos de idade, aproximadamente, é um período bastante importante para esse amadurecimento, pra criança entender a passagem de tempo. E pra isso, ela precisa de referências externas. Por isso é tão fundamental estabelecer uma rotina com horários regulares para o bebê até dois anos. A criança vai criando referências, vai gerando uma previsibilidade do que acontece em seguida, o que deixa a espera menos angustiante, levando a um maior autocontrole. Não é o intuito aqui criar regras e dizer o que é certo e errado, mas sim oferecer o conhecimento que irá embasar as decisões dos pais e cuidadores. E vale ressaltar que o mundo é complexo e será uma combinação de fatores que definirão como a criança o percebe.
Fonte: Podcast Naruhodo #237 - Por que não gostamos de esperar?
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