Bem-vindos a mais um texto que demoniza o plástico! Hã.... calma, não é bem assim!
Assim como grande parte dos nossos dilemas atuais (internet, redes sociais, telefones celulares, etc), o problema não é a tecnologia em si, mas o uso que fazemos dela. O plástico é um material ótimo e super necessário no nosso cotidiano!
No entanto, estima-se que hoje 90% dos brinquedos produzidos são feitos de plástico. E alguns estudos já demonstram que eles geram problemas na saúde das crianças, problemas no meio ambiente e problemas no padrão de consumo das crianças. Vamos olhar todos eles.
Um estudo super recente, de setembro de 2021, detectou dois tipos microplástico (policarbonato - PC e polietileno tereftalato - PET) nas fezes de crianças de um ano e também em 2 de 3 amostras de mecônio - que é o primeiro cocô do bebê!
As concentrações de microplástico de PET nas fezes das crianças foi 10 vezes maior do que as concentrações encontradas em fezes de adultos. Isso leva os cientistas a acreditarem que a constante inserção de objetos plásticos na boca (mamadeiras, chupetas e brinquedos) é a causa dessa diferença.
Ainda não foi estudado quais os efeitos que a presença do microplástico na nosso corpo pode causar na nossa saúde (nem de bebês e nem de adultos), mas isso já é bem alarmante.
Por outro lado, temos muitos estudos que apontam que substâncias utilizadas na produção do plástico são tóxicas e potenciais causadoras de problemas hormonais e cânceres em crianças. São os casos dos ftalatos, usados para dar flexibilidade ao PVC, material mais utilizado nos brinquedos plásticos.
O PC (policarbonato), que foi encontrado nas fezes dos bebês e é utilizado em menor escala nos brinquedos, pode conter tanto Bisfenol A (BPA - composto químico já proibido) quanto seus substitutos Bisfenol S (BPS) e Bisfenol F (BPF), que também apresentaram em estudos problemas à saúde de crianças e adolescentes.
O processo de produção do plástico, com todas essas misturas e compostos químicos geram muitos resíduos que são liberados no meio ambiente. Sem falar que os brinquedos de plástico geralmente vem embalados em embalagens também plásticas que são descartadas no instante seguinte!
Apesar do plástico ser um produto potencialmente reciclável, a mistura de tipos de plástico diferentes e de outros materiais como pigmentos, brilho, glitter, torna o processo da reciclagem mais complexo e caro ou mesmo inviabiliza a reciclagem. Além disso, sabemos que a média de reciclagem nacional é de apenas 4% do resíduo que geramos!
"Se uma das vantagens do plástico é exatamente a sua durabilidade, com alguns tipos permanecendo séculos no ambiente, está mais do que na hora de observar a presença desse material na vida das crianças, sejam elas consumidoras, sejam cidadãs, que vão herdar todo o material produzido e descartado nos dias de hoje."
"Infância plastificada - O impacto da publicidade infantil de brinquedos plásticos na saúde de crianças e no ambiente" (2020)
Pra agravar ainda mais a situação, o mercado de brinquedos e o seu marketing está a todo instante inserindo novidades nas prateleiras para que o público infantil queira um novo item todos os anos. De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), a indústria nacional é atualmente responsável por 75% dos brinquedos comercializados e geram em média 1500 lançamentos por ano.
Isso nos leva a um outro grande problema, que é o foco da pesquisa Infância Plastificada do Instituto Alana: a propaganda infantil e o consumismo. Apesar da decisão final ser dos cuidadores, nove em cada 10 pais assumem que são influenciados pelos filhos na hora de fazer compras. E os filhos são influenciados por quem?
A publicidade infantil (dirigida a crianças de até 12 anos) é proibida pela legislação brasileira por se aproveitar da condição vulnerável da criança que não consegue compreender o conteúdo persuasivo dessas mensagens.
Mas para além das propagandas oficiais, existem formas de influenciar as crianças e que são mais difíceis de serem detectadas e, portanto, fiscalizadas e proibidas, como nos canais de YouTube.
Mesmo no YouTube Kids, a plataforma só consegue controlar os anúncios que são feitos antes dos vídeos ou os vídeos que assumirem que estão fazendo publicidade e marcando as empresas.
Mas muitos youtubers mirins estão divulgando produtos que consomem (não tem como saber se foram comprados ou recebidos) e fazendo o famoso unboxing, que nada mais é que desembrulhar os produtos, sejam eles brinquedos ou não. Um caso famoso é o da boneca LOL Surprise. Veja esse vídeo:
A curiosidade e expectativa da criança em descobrir o que vai receber é muito maior do que o desejo de brincar com o produto em si. E essa ideia é amplamente explorada no mundo infantil, como nas figurinhas de álbum da copa ou nos brinquedos do Kinder Ovo e do McLanche Feliz.
E falando em McDonald's, essa prática de associar a alimentação com o entretenimento fez dele a maior distribuidora de brinquedos do mundo! Essas ações publicitárias estimulam o efeito “publicidade-desejo-consumo-descarte”, que é algo que precisamos lutar fortemente contra!
Então, a provocação desse longo texto é: Plástico é bom. Brinquedo é bom. Mas todo brinquedo precisa ser brinquedo de plástico? E precisamos de todos esses brinquedos produzidos?
Fontes:
- INFÂNCIA PLASTIFICADA: O impacto da publicidade infantil de brinquedos plásticos na saúde de crianças e no ambiente, publicada em junho de 2020 pelo Instituto Alana.
- O artigo científico de Zhang J e colaboradores, entitulado "Occurrence of Polyethylene Terephthalate and Polycarbonate Microplastics in Infant and Adult Feces.", publicado em setembro de 2021.
- Sugiro a leitura da pesquisa e/ou a reportagem O ACÚMULO DO EXAGERO por Carina Martins para o ECOA, que se aprofunda mais nos assuntos da pesquisa.