Estamos de volta para mais uma edição da Rede de Afeto: nosso espaço de escuta, de afeto e de conexão. Um lugar pra conhecermos as histórias de diversas mães (e talvez futuramente pais) e conversarmos sobre as particularidades de cada um.
Estamos no Agosto Dourado, campanha criada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para incentivar o aleitamento materno. Por isso, nossa conversa desse mês vai ser o relato da jornada de amamentação da Natália Bass.
A Nati é mãe do Benjamin, de quatro anos, que ainda mama! Uma salva de palmas pra essa dupla! Não foi uma trajetória fácil, mas, além dos inúmeros benefícios para o seu filho, essa conquista inspirou a Nati a ajudar outras mães como consultora de amamentação.
Se você já acompanha as nossas conversas da Rede de Afetos, pode estranhar um pouquinho o formato, que costuma ser de perguntas e respostas. Mas é que a Nati se dispôs a contar sua história com tanta fluidez, que as perguntas nem foram necessárias!
Então, pega seu chazinho, puxa uma cadeira, relaxa e vem com a gente mergulhar nesse relato!
Primeiro, eu gostaria que tu se apresentasse um pouco. Quero saber quem é você, além de mãe do Benjamin.
Eu sou a Natália, eu tenho 31 anos. De formação, eu sou bióloga. Quando eu estava no segundo ano, eu tinha um professor ótimo de biologia e eu pensei: "Meu Deus, essa matéria é maravilhosa. Quero estudar isso!". Eu pensava em fazer medicina, mas eu não tinha uma determinação para estudar para ser médica. Eu tinha aquela vontade de estar no hospital, mas não sabia muito bem fazendo o quê.
A biologia foi incrível em vários sentidos, não tanto no sentindo acadêmico, mas para vida mesmo. Eu lembro que teve um momento do curso, no primeiro ano, que parece que virou uma chavinha de consciência. Porque por mais que tu saiba das coisas, tu não consegue ter uma dimensão do que cada coisinha representa no todo, né? E lá conheci os melhores amigos que eu tenho hoje. Então, por mais que eu não trabalhe na área, eu não me arrependo nem um pouco.
Ao longo do curso, tive alguns momentos bem conturbados com familiares. Precisei trabalhar, tanto no início, quanto no final da faculdade. Fui garçonete por dois anos e meio, eu entrei no curso trabalhando já. E, depois, trabalhei nos três últimos anos da graduação como garçonete em outro restaurante. Então, foi quase todo o tempo de curso trabalhando. Mas, acho que trabalhar como garçonete também me trouxe uma outra experiência de vida. Trabalhar com atendimento, num serviço tão básico como a alimentação, lidar com pessoas no dia a dia, acho que as pessoas não tem dimensão de como é.
Junta a Biologia com o fato de ter trabalhado como garçonete, e a sensação que eu tenho é que a minha bagagem é muito boa, no sentido de lidar com pessoas. Eu não diria que eu sou a pessoa com mais paciência do mundo, mas eu me acho muito calma pra lidar com algumas situações. “Tá tudo bem, a gente resolve.”. Claro que na hora do furacão, às vezes essa pessoa some. Risos. Mas, no fundo, tudo isso contribuiu bastante. Parece que uma coisa complementa a outra.
Me formei em 2017. Eu e meu companheiro estávamos ganhando um bom dinheiro e a gente resolveu morar juntos. Fui morar pela primeira vez “sozinha”, só que acompanhada. Eu nunca tive essa experiência de morar sozinha de fato, adoraria. Isso foi em abril e até ali era só eu, né?
Daí em agosto, eu descobri que eu tinha engravidado, através de uma dupla ovulação, que não era para ter sido, mas foi. Então bagunçou tudo que eu imaginava que estava acontecendo. Mas enfim, engravidei. Tudo que eu queria ia acontecer: ia ser mãe. O Vini, que é meu companheiro, com um emprego estável, então não foi um desespero financeiro pelo menos. Não foi um desespero também com a notícia, porque eu sempre quis. Imaginei que era tudo que eu queria na minha vida. Acho que ainda permanece essa ideia. Claro que sem a total dimensão do que que realmente é ser mãe, porque só sendo para ter a real mesmo, né?
Mesmo eu tendo cuidado da minha irmã desde que ela nasceu, quando eu tinha 16 anos. Ela era o meu bebezinho, mas eu não me lembro dos perrengues. Eu não sei se é porque faz muito tempo, mas a prática é que quem acordava de madrugada era minha mãe, né? E a Sofia era uma criança muito fácil também.
Quando engravidei, a minha melhor amiga, a Náthali, estava grávida de 4 meses. Então, a gente passou muito tempo da gestação grávidas juntas. Foi muito legal porque, quando você engravida, a sensação que dá é que muitos amigos estão ali te apoiando, mas na prática tu se sente muito sozinha. Tu tá passando por coisas que as pessoas não imaginam. Às vezes tu sente uma solidão meio estranha. Porque era pra tu estar se sentindo super bem e tu não tá. E parece que enquanto não surge a barriga, tu queria uma atenção que não tá existindo. É uma montanha russa de sentimentos. Para mim foi, pelo menos.
E uma curiosidade: eu sempre falei que eu queria ser mãe, que eu queria um menino, que ele seria o Benjamin, mas eu não queria que nascesse em abril. E ele nasceu no meio de Abril, o famoso arianjo! A primeira rasteira que eu levei foi essa. Risos.
Eu entrei em contato com uma amiga da biologia, a Lua, que trabalhava com doulagem. E daí eu e minha amiga começamos a frequentar a roda de gestantes e tudo mais. E eu botei na minha cabeça a história do parto, né? Eu queria um parto normal, natural, sem intervenções. Não faria em casa porque eu gostava da ideia do hospital. Mas só pensava nisso, afinal aquela barriga gigante ia ter que sair. Já tava mentalizando tudo que podia acontecer, plano de parto, obstetra da humanização e tal. E a minha mãe sempre falava: "Ah, o parto é complicado, sim, mas a amamentação é difícil. Olha… é difícil.". E eu: "Aham... depois penso nisso.". Li só um ou dois parágrafos de amamentação durante a gravidez.
Foi um parto bem desafiador. Tava tudo engrenando do jeito certo, e acabou dando “tudo certo”, mas na minha cabeça, não sei… talvez, não era o que eu realmente queria. Eu ainda não sei dizer, sabe? Faz quatro anos e eu ainda não sei dizer se eu gostaria de ter feito alguma coisa diferente.
Mas foi super emocionante, ele nasceu, veio pro meu colo e fez xixi. A gente conta isso pra ele hoje e ele dá risada. Mas eu tava em choque, eu acho. E aí o que veio depois das primeiras 24 horas de Benjamin foi uma surra atrás da outra. Em vários sentidos. E claro que isso diminui, mas é até hoje assim. A sensação que eu tenho é que a maternidade é um lutador de boxe e eu sou aqueles bonequinhos, sabe? Porque é um desafio atrás do outro.
Passou o parto e toda aquela minha ideia de que a recuperação do parto normal ia ser tranquila foi por água abaixo, porque eu tive muita laceração e muita hemorroida. E foi um caos nesse sentido. Uma dor que eu não imaginei que ia sentir. Sempre que conto eu conto pras pessoas, eu não quero tirar a ideia de que o parto normal é melhor. Mas assim como a cesária tem recuperações péssimas, o parto normal às vezes também tem. E eu não tive nenhuma intervenção: eu não sofri episiotomia, ninguém empurrou nada, foi tudo eu. Claro, eu podia ter me ajudado um pouquinho mais, mas eu não teria como saber isso na hora.
Mas, enfim, foram quase 40 dias sentindo dor, tendo dificuldade para caminhar, pra dormir, pra levantar, e isso mexe bastante com a gente. E além disso, tinha a amamentação.
A minha amamentação não foi como a clássica que começa dando tudo errado e vai melhorando. A minha começou tudo ok e foi degringolando cada vez mais. E tudo por falta de informação. E é isso que me pegou, sabe? Essa causa que a amamentação virou para mim, foi porque tudo poderia ter sido evitado, tanto por informação minha, de eu buscar informação, quanto de me passarem a informação correta, ou de me mostrarem que tinha um caminho diferente.
Então o Bin nasceu, eu já tinha colostro, que é o primeiro leite que começa a surgir na gravidez. Ele nasceu e eu sabia que deveria colocar ele para mamar na primeira hora, mas eu não quis, não tava legal pra isso. Fiquei com ele no colinho e tal. E aí, na sala de recuperação, eu coloquei ele pra mamar, sem nenhuma noção. Eu peguei e botei. Ele deu umas sugadas ali, foi tudo certo, não doeu, nem nada, tudo bem. Aí ele dormiu 24 horas, quase. E nessas 24 horas, o meu corpo mandando leite, devagarinho, assim.
Normalmente, a descida do leite, que é a apojadura, demora 3 a 5 dias, dependendo de algumas situações. A minha aconteceu na segunda noite. Até a segunda noite ele mamava ok. Eu pegava ele, colocava ele pra mamar, normal. Algumas enfermeiras, às vezes, me ajudavam com a pega, mas ninguém me ensinou. Ninguém falou assim: "Natália, segura ele assim, segura o peito assim, espera ele abrir essa boca.". Não. Foi: "Ah, ele tá mamando bem? Ah, tá." e fecha a porta. O que que é mamando bem? Se eu tivesse estudado, talvez eu soubesse. Se eu tivesse feito uma consultoria pré-natal, talvez eu soubesse. Mas eu não sabia, e respondia: "Tá, tá mamando bem.".
E aí, na segunda noite, eu dormi e acordei, acho que umas 3 ou 4 da manhã, achando que eu tava usando as conchas no peito. Elas são umas conchas de plástico, que eu ganhei no chá de fraldas, porque eu achei que era bom. Eu passei o braço pelo peito e achei que tava com concha. E eu: "Nossa, mas que estranho. Eu não tava com concha antes.". Toquei meu peito: duro, duro, duro. Mais uma falta de informação. E eu olhei e vi que não tava com concha, era o peito mesmo. Tava uma pedra. Desceu o leite naquela madrugada.
Aí tu imagina que, antes, tu tem um balão murcho para mamar e agora tem um balão explodindo. Ele tá tão cheio, que tu não consegue apertar nada dele. E daí o guri não pegava o peito de jeito nenhum. Eu chamei a enfermeira, disse que tava com dificuldade, Benjamin berrando, o leite vazando, escorrendo já. Daí elas: "Ah, pois é. Vamos tentar... É, ele não tá conseguindo mesmo.". E daí a técnica olha para a enfermeira e fala: "Quem sabe a gente faz 30 ml?". Eu não falei para ela, mas eu olhei pro Vini e meus olhos já diziam: "Não… eu tô explodindo de leite e ela quer preparar a fórmula!?". Se for pra dar alguma coisa, tira de mim, né? E ele: "Ah, pois é. Será que a gente não pode tirar dela para oferecer?". Elas, de cara feia: "Ah, a gente pode até tentar. Não sei se a gente vai conseguir a quantidade e tal.". E eu ali, toda costurada, louca de dor, os peitos doendo e sem saber o que fazer.
Aí vieram duas enfermeiras e uma técnica, uma de cada lado e me destruíram quase, sabe?Massagearam, me ordenharam. Tiraram uma quantidade de colostro que eu, pessoalmente, nunca vi. Mas me deixaram com lesão, com o peito todo machucado. Porque tavam fazendo, sei lá, de má vontade, tavam fazendo com pressa, o que eu entendo, tem um andar inteiro para cuidar, mas eu era uma das coisas que precisava de atenção. A gente ordenhou, acho que, 30 ml de colostro. Deram no copinho, ele se acalmou, elas saíram do quarto. O peito tava macio, então eu peguei ele, botei no peito e ele mamou.
E tá, mamou, mas eu não aprendi a fazer o que precisava. Hoje eu tenho essa consciência. Na hora eu só fiquei assim: “Ok, na próxima mamada eu vejo o que eu faço.”. Tá resolvido por 3 horas, mais ou menos. Daí já botei a concha porque achei que ia drenar. As conchas foram enchendo, a roupa por cima, ficou abanfando e tal, nem sabia. Aí deu 3 horas para mamar, peito cheio de novo. Só que dessa vez as mulheres já não foram me ajudar, elas não foram lá ficar me ordenhando.
Eu lembro que a gente não conseguiu. Passaram mais algumas horas e ele chorou de novo. Eu não consegui de novo. E aí já era umas 10h da noite e eu liguei para Náthali falei: "Pelo amor de Deus, me traz aquele negócio que tu usa para amamentar.". Ela usava um bico intermediário de silicone, que eu sabia que era ruim, foi uma das poucas coisas que eu li que não se devia usar. Ela me falou: "Ah, tô usando isso aqui. Não é o ideal, mas é o que eu tô conseguindo.". E a história de amamentação da Náthali é a de maior superação que eu já vi na minha vida. Como consultora, eu sempre penso: "Nossa, se a Náthali conseguiu, então existe a chance. Nunca é impossível.”.
Bom, ela levou o intermediário de silicone para mim, eu botei e aquilo virou um canudinho, né? Ele foi pro peito, mamou, pum, acabou. Resolvi usar porque eu não ia ter alta se as coisas não evoluíssem. Saí da maternidade usando bico de silicone e concha e sem saber manejar. Daí cheguei em casa, já com aquilo na cabeça: preciso tirar esse bico de silicone, preciso remover ele logo. Só que não conseguia, porque o peito tava muito cheio e o Bin não conseguia abocanhar direito. Continuei usando. Pulando para décimo primeiro dia, consegui. Tirei o bico de silicone.
Ali pelo décimo quinto dia, eu comecei a ter dor. Uma dor que eu não tava sentindo antes. Me lembro que eu tinha uma bolinha branca na ponta do mamilo que eu achava que era tipo uma espinha de leite, mas não sabia o que era. O peito doía, doía, doía. Não sabia o que era, tentei tirar e não deu. Não fiz nada em relação a isso. Já nos próximos dias, comecei a sentir uma dor diferente, assim muito rápido. Uma ardência, uma queimação, parecia que a língua dele era uma lixa. E uma lixa no peito por meia hora, a cada duas horas mais ou menos, o dia inteiro, cansa a mente de tanta dor. E aí tu começa a morder coisa pra tu aguentar, balançar as pernas. Quando o bebê abocanha, tu vê estrelas. Eu pensei: "Não, não pode ser... tem alguma coisa muito errada.".
Comecei a ler, né? Google: "Ardência para amamentar". Candidíase. Bah, será que é candidíase? O que que eu posso estar fazendo de errado? Por que que eu tô com candidíase? Será que eu tô com candidíase? Aí ligo pro obstetra: "Ah, tô sentindo isso, isso e isso.". Tinha consulta de retorno, né? "Ah, vamos ver. Talvez tu esteja com candidíase. Vamos ver. Quem sabe tu não chama uma consultora?". Eu: "Como assim? O que que é isso? Quanto é?". O primeiro pensamento, né? "Não, vou ver aqui o que que eu posso fazer.".
Daí olhei no Google: "Diminua o consumo de carboidrato e açúcar.". “Ah, não! Minha única fonte de prazer hoje em dia tá sendo comer!”, sabe? Tava comendo igual um caminhoneiro. E eu amo doce! Mas tá. E era para parar de usar concha também. Parei de usar concha. E os mamilos estavam queimando o dia inteiro. Quando tocava em alguma coisa chegava quase a chorar!
Eu lembro de um dia fatídico que a gente foi caminhar. Botamos o bebê no carrinho e fomos dar uma volta. A gente foi até o Shopping João Pessoa e entramos no supermercado de lá pra ver se tinha alguma coisa legal para comprar. O carrinho não passava no corredor do super. Isso me irritou tanto! Aí o Bin acordou, queria mamar e eu não aguentava dar mamá. Daí comecei a olhar as coisas para comer: tudo tinha açúcar, tudo tinha farinha, tudo tinha carboidrato, não tinha nada que eu queria comer, sabe? Daí eu entrei em desespero e comecei a chorar. Voltamos pra casa e dei mamá chorando. Eu pensei: "Tem alguma coisa errada e a gente vai ter que ver. A gente vai ter que procurar algum tipo de ajuda. Mas, daqui a pouco.”.
O Bin começou a ter cólica, lá pela segunda semana (que é quando pode começar). Bateu o desespero. Foi o suficiente para eu ir na farmácia e comprar uma chupeta, coisa que eu não queria. Falei para todo mundo que não ia usar chupeta. Não queria ter comprado chupeta, mas fui lá e comprei. Sabe quando tu olha para culpa e a culpa tá materializada? Uma das primeiras. Eu falei para minha mãe que não ia dar chupeta. O que que esse guri tá fazendo com esse bico azul coisa mais fofa na boca? Mas ok, a chupeta era para dar um intervalo para mim porque ele queria mamar o tempo todo e eu não conseguia dar mamá o tempo todo. Eu chegava a me tremer quando ele começava a chorar porque eu sabia que ele queria mamar. Eu ia lá e botava chupeta.
Passou uns dois ou três dias nisso, melhorou a cólica, a gente usava sling e tal. E, claro, no meio de tudo isso, muito amor, né? Coisa mais fofa! Beijinho e carinho, e colinho, mas na hora de mamar era o pânico. Daí eu comecei a procurar remédio para dor, tudo sozinha, comecei a ver pomada. Falei com pediatra: "Posso passar essa pomada?". Pode. Aí fui, comprei a pomada. Mas as coisas não iam se resolver sozinhas,né? Daí eu comecei a perceber que daquele jeito não ia dar certo.
Eu ganhei duas mamadeiras no chá de fraldas, pedi de vidro porque era mais ecológico, mas não era para usar. Era só pra uma emergência. Aí pronto, tava na emergência. Tinha uma bomba de leite e resolvi tirar e dar na mamadeira. Fui acreditando que não ia acontecer nada de errado. Eu sabia que tinha um risco de alguma coisa acontecer, mas não tinha exatamente a ideia do que podia ser. Ordenhei, tirei e dei na mamadeira. Preguntei pra doula se ela achava que eu poderia fazer isso e ela disse que sim, que era pra fazer 30 ml. Tirei 100 ml, mas dei 30 ml. O guri seguiu se esgoelando de choro: “Quero mais, quero mais!”. Mais 30 ml, mais 30 ml. Um bebê de 15 dias tomando 100ml. Ok. Apagou, dormiu.
Próxima mamada: será que eu consigo dar no peito? Urrando de dor. Não. Tira, dá na mamadeira. Fiquei uma semana assim. Ao longo dessa semana, o que eu tirava fácil 100-120 ml de cada lado, baixou pra 30 ml. E aí passou para 20 ml. A mesma bomba, a mesma coisa. Tomando a mesma quantidade de líquido, que eram os famosos 1000 L de água. Tomando de chá de erva doce, que diziam que era bom, tomando isso, tomando aquilo. E apertava o peito e forçava aquela bomba, com dor na mão já. Meu deus, o que que tá acontecendo? Aí eu fui ler, e o pouco que eu tinha lido sobre a influência da mamadeira, era que com toda a logística fora do peito a produção tende a baixar.
Falei: “Tá, olha só. Tá dando tudo errado. Ele tá com quase 30 dias, eu não aguento mais e eu não quero dar fórmula. Então, a gente vai ter que chamar a tal da consultora.”. Acho que isso era no dia das mães, por aí, e eu tenho uma foto, uma foto das que eu mais gosto dessa fase, que é eu amamentando ele no parcão, plena. Mas eu tava urrando por dentro. Sabe quando você tá sorrindo, mas o corpo inteiro tá tenso? E o guri ali, mamando, mamando, uma atrás da outra. E eu falei: “Tá, agora voltando para casa a gente vai pesquisar.”.
Eu entrei em contato com as consultoras que na época eram as mais famosinhas de Porto Alegre. Uma era mais cara, outra era mais barata. Fui na mais barata. Ela foi lá em casa 8:30 da manhã numa sexta-feira de chuva. O clima feio, frio. O Bin tava dormindo. Ela falou: "Eu imagino que tu esteja com candidíase e com fenômeno de Raynaud, que é um vasoespasmo do mamilo. A mamadeira, se tu quer continuar a amamentar, a gente vai ter que remover. E se é para remover a chupeta ou a mamadeira, vou te dizer para remover a mamadeira. A chupeta, tu reduz o máximo que tu puder.". Tudo sem nenhum julgamento. Não me senti nada julgada, nem nada.
Me ensinou a posicionar, me ensinou a pegar o peito e me ensinou a ordenhar. Foi embora. Só que ela não resolveu o meu problema na hora, porque não é um problema que se resolve na hora. Isso eu tive que aprender na prática depois, né? Não consigo resolver uma infecção fúngica na hora. Mas ela me disse o que eu tinha. Ela falou: “Tu tem isso, isso e isso. Quer amamentar? Ok. Tu tem esse, esse e esse caminho. Qual que tu vai escolher? Não sei. Se ele vai dar certo? Também não sei. Talvez tu tenha que começar no caminho 1 e puxar pro caminho 2 e fazer uma adaptação.”. E aquilo ali virou uma chave pra mim. Tá doendo? Tá. Mas eu sei o que eu tenho, tô tomando remédio e eu vou passar a pomada certa.
E aí as coisas começaram a melhorar, e eu tive a noção de que aquela frase dela mudou toda minha trajetória... o Bin mama até hoje e ele tem 4 anos!
Eu nunca vou conseguir mensurar o total de ganhos que ele teve com essa amamentação, mas eu sei que eles são infinitos. E eu sei que a ausência de prejuízos que ele teve com a falta da amamentação também é muito grande.
Claro, eu sempre falo isso pras clientes, nunca vou julgar quem oferece fórmula, quem oferece mamadeira, quem oferece chupeta, quem faz tudo misturado. Eu quero que elas tenham informação de qualidade para que decidam com consciência o que vão fazer.
Quando eu dei a chupeta, quando dei a mamadeira, eu não sabia direito que eu tava fazendo. E culminou em um monte de problemas. Eu usei concha de amamentação porque eu quis, mas eu não sabia que ela era contra-indicada. Então, eu passei o primeiro ano dele inteiro lembrando disso. Olhando para ele mamando e pensando: "Bah, não acredito que a gente conseguiu". Chegando na introdução alimentar mamando, primeiro ano mamando… Aí começou a surgir um burburinho: quem sabe você não consegue ajudar outras pessoas? Porque você começa a ver as pessoas próximas passando dificuldade também.
E lembrei que a minha irmã mamou até os quatro meses, tinha refluxo. Perguntei pra minha mãe e ela disse que eu mamei até os nove meses e “larguei sozinha”, meu irmão mamou até os seis meses e começou a morder. Tem alguma coisa por trás. Daí comecei a fuçar. Comecei a seguir algumas consultoras no Instagram, a acompanhar as caixinhas de perguntas. Começou a me dar vontade de responder caixinhas de perguntas de amamentação, também.
E quando ele tava com um ano e nove meses, ali no final de 2019, a gente decidiu que eu ia fazer o curso pra me tornar consultora. Eu já tinha saído do trabalho quando acabou a licença maternidade, porque era incompatível com a criação que eu queria dar para ele naquele momento e porque era possível financeiramente também.
Fiz o curso pela Mame Bem, que era um curso de 60 horas. Então, foi uma pauleira e foi super difícil porque o Bin nunca tinha ficado tanto tempo longe de mim, tanto tempo sem mamar. Eu vazava na aula, com peito inchado. Via ali a aula as mesmas coisas que estavam acontecendo comigo. Foi bem interessante. A gente aprende muita coisa, mas tudo muito rápido, que nem na faculdade da biologia: tu vê tudo, mas tu não aprofunda nada.
Isso foi em dezembro. Fiz os meus dois primeiros atendimentos voluntários, um em dezembro e um em janeiro. E foi horrível, foi péssimo. Eu me senti a pior profissional do mundo porque eu não tinha experiência nenhuma. Eram pessoas muito humildes e era um atendimento voluntário. Eu fui lá tentar ajudar e eu acho que não ajudei em nada. Foi muito complicado e eu não sabia o que estava acontecendo com elas. Eu tinha uma ideia, e uma delas acho que teria como dar certo, mas ela não deu conta, e eu também não fazia o acompanhamento na época. E a outra tinha diversos problemas que eu não consegui visualizar e que hoje eu tenho noção. Mas enfim, botou a síndrome da impostora no grau máximo.
Daí saímos de férias e a gente foi viajar. Quando a gente voltou, era pandemia. Já voltamos no lockdown. Comecei a participar de um grupo de WhatsApp de consultoras e depois me associei na AGACAM (Associação Gaúcha de Consultoras em Aleitamento Materno). Algumas delas estavam trabalhando em hospital, eram enfermeiras e tal, e falaram que atendimento presencial nem pensar. Falaram que gestante era grupo de risco, mesmo antes de ser oficial, porque estavam vendo gestantes mal e bebês nascendo mal. Então não era pra fazer atendimento presencial.
Eu fiz esses dois atendimentos péssimos e agora eu não posso atender presencial, vou ter que atender online? Não tem condição. Ninguém me conhece. Passei março e o início de abril nesse pânico profissional: investi nisso, quero fazer isso e não consigo sair do lugar. Resolvi começar a postar no Instagram. Logo em seguida, entrou em contato comigo uma mãe que tava com um bebê de 15 dias já. Recebi a mensagem, a gente não tava saindo nada de casa, e eu não sabia como atender, quanto cobrar, não tinha pensado nisso ainda.
Conversei com ela e fizemos um atendimento online, via zoom. Eu não tinha material nenhum. Peguei uma bola do Benjamin, que era macia, uma bola verde, e fiz um círculo preto para fingir que era uma auréola e o buraquinho de encher a bola era o mamilo. Peguei um ursinho dele que nem era de um tamanho apropriado e comecei a fazer a demonstração assim. Péssimo. Precisava comprar material, mas não tinha grana pra investir.
Foi um atendimento super difícil para mim porque foi o primeiro atendimento que eu me dediquei 100%. Mas eu não tinha conhecimento suficiente para atender ela de primeira, sabe? Pra olhar e falar: "Olha, o que tu tem é uma hiperlactação. Tu tem leite demais e é por isso que o teu bebê tá te mordendo.". Eu fiquei com ela por dias até a gente descobrir isso. Eu já conversei algumas vezes com ela sobre isso, porque eu me sentia muito culpada por ter falhado, por ter arrastado tanto tempo a resolução do problema. Ela foi super compreensiva, o bebê segue mamando e tá tudo bem.
Em seguida, começaram a aparecer outros, de várias gurias grávidas que eu conhecia, que tavam isoladas em casa, que não tinham para onde ir. E parecia que eu era um para-raios de treta, porque eu compartilhava um pouco dos casos no grupo, e elas ficavam: "Meu Deus, mas é um atrás do outro! Não tem só um “posicionamentozinho”, não?". E, claro, ninguém chega para mim dizendo: "Ah, eu tô amamentando super bem! Vem aqui em casa ver!". Não é. É assim: “Tô desesperada, vou desistir. Tu tem horário para hoje?”. É um apagar incêndio infinito.
Ela tá desesperada, ela vai desistir, ela já fez várias coisas "erradas", ela já usou o Google além do que ela poderia. Tem consultora que já não trabalha mais com pós-parto porque é uma treta infinita. É muito mais fácil tu trabalhar na gestação do que no pós-parto. Porque na gestação tu tá ali, o bebê tá lá dentro e ele não vai chorar. Tá tudo tranquilo, teu mamilo não tá doendo, e aí eu te digo: "Em tal dia vai acontecer isso, daí tu faz isso, isso e isso". É uma aula. E, por mais que as coisas dêem errado, tu vai ter uma base. Tu não vai ir para o Google primeiro, tu vai ir pra consultora primeiro, e ela sabe o que ela vai falar.
Os atendimentos foram aparecendo e eu fui adquirindo experiência, né? Não tem o que fazer. Tu vê um bebê fazendo a mesma coisa que outro que tu atendeu, tu já lembra o que que deu certo lá, então tu já tem uma proposta melhor. E é muito incrível, porque tu fala com a mãe quando ela tá no momento mais vulnerável do mundo.
Às vezes, eu chego na casa e aquela mulher tá a cara do puerpério . Pra ela te chamar naquele momento pra ir na casa dela, olhar para ela com os peitos de fora, às vezes o peito sangrando, bebê berrando, marido irritado ou o marido chorando, todo mundo chorando, a vó chorando, é porque ela tá confiando em ti pra resolver o problema pra ela, ou pelo menos orientar da melhor forma.
E o maior problema da consultoria é que eu não resolvo nada sozinha. E isso foi uma das coisas que eu mais demorei para aprender. Inclusive, é muito recente esse aprendizado. Eu chegava ao ponto de acordar de madrugada, olhar o relógio, às 2:30 da manhã, e pensar que o bebê da pessoa que eu tô atendendo deve estar querendo mamar. E ficar imaginando: será que ela vai ordenhar antes? Será que ela vai fazer o que eu disse para ela fazer? Eu não posso fazer isso com a minha vida.
Mas é um trabalho muito legal. É bem romântico isso, mas eu tenho a real sensação de que eu tô fazendo alguma coisa boa pelo mundo, porque tu ajudando uma criança a ser amamentada por mais tempo, por dias que seja, e ela já recebe benefícios que ela não teria se você não tivesse ajudado. Claro que não fui eu que fiz, mas se eu não participasse, talvez não teria acontecido.
Então, às vezes eu vejo os bebezinhos que eu atendi um ano e meio, dois anos atrás que ainda tão mamando. Estão mamando na rua e as pessoas estão vendo crianças grandes mamando. Porque tem isso também: as pessoas querem que tu amamente a qualquer custo, mas elas querem também que a criança não mame até ficar grande. Um bebê grande mamando incomoda muito mais do que uma criança grande que usa chupeta.
Tu tem que estar muito certo da tua decisão de amamentar para bancar, porque a sociedade não tá mais acostumada a ver crianças mamando, e existe todo um marketing que desacredita o poder de nutrir de uma mulher (inclusive profissionais da saúde!). A gente luta todo dia, mas aos pouquinhos a gente vai mudando o mundo através da amamentação.
Fico tão feliz que você tenha acompanhado todo o nosso papo!
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Ah, e você pode acompanhar o trabalho da Nati Bass pelo Instagram.
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