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Foto do escritorIsadora B. Esperandio

Rede de Afeto - mãe de três (parte II)

Se você acompanha a Rede de Afeto, deve estar ansiando pela continuação da conversa com a Diana.


Se é a sua primeira vez e você não está entendendo nada, eu te explico! A Rede de Afeto é um espaço de escuta, de afeto e de conexão. Um lugar pra conhecermos as histórias de diversas mães e conversarmos sobre as particularidades de cada uma.


Em cada conexão conversamos com uma mulher diferente. São conversas maravilhosas e geralmente longas! A conversa com a nossa última convidada, a Diana, foi tão rica que achei interessante dividi-la em partes e evitar edições que deixariam relatos incríveis de fora. Acho que é justo, já que mãe de 3 crianças tem história em triplo pra contar! Hehehehehe.


retrato de família: mãe com um bebê sentado em -seu colo beijando o topo de sua cabeça, à esquerda uma menina de 3 anos beijando a bochecha do bebê e à direita, um menino de 5 anos beijando a bochecha da mãe - rede de afeto cara de tatu mãe de três

Essa é a segunda parte da nossa conversa, onde falamos sobre a sua experiência equilibrando a maternidade e a graduação em medicina. Se você ainda não leu a primeira parte, que contém os relatos de parto, sugiro que volte e comece por lá!


Se você já leu, prepare seu chazinho, sente-se confortavelmente, abra seu coração e vem com a gente!


Eu sei que uma grande curiosidade das pessoas (inclusive eu mesma) é saber como tu conciliou a faculdade de medicina com a maternidade. Você não chegou a trancar nenhuma vez?


Não. No primeiro e segundo ano da faculdade tem muito mais disciplina teórica do que prática. O Timóteo nasceu em Janeiro, e em Março começava o segundo ano da faculdade. Então eu consegui fazer uma licença maternidade. A licença maternidade é como se fosse uma licença de saúde, só que na licença de saúde tu não pode ir na faculdade.


Como não tinha regulamentação pra licença de maternidade, eu consegui combinar com os professores de uma forma bem informal de ir fazer as práticas e as provas e acompanhar as teóricas em casa. Mas teve uma professora que não aceitou, então com 5 meses eu tive que interromper a minha licença maternidade pra fazer a única prática que tinha da disciplina dela.


O primeiro semestre do segundo ano foi isso: ficava estudando em casa, uma ou duas vezes na semana vinha aqui na faculdade pra fazer as práticas. No segundo semestre eu já voltei ao normal e vinha em todas as aulas. Mas o Timóteo já não tava mais em amamentação exclusiva, eu tinha conseguido aproveitamento de algumas disciplinas e, por isso, não tinha uma carga horária muito grande.


No final do segundo ano eu engravidei da Ana Lívia. Descobri que eu tava grávida uma semana antes de várias provas. Foi assim, eu tava dirigindo pra chegar na faculdade e senti um enjoo. Um enjoo diferente. Putz, isso aqui é enjoo de gravidez, não é enjoo normal. Aí resolvi que quando chegasse na faculdade ia passar na farmácia que tem lá e comprar um teste.


Assisti a aula e no final da aula chamei uma amiga minha pra ir na farmácia comigo. Cheguei lá, comprei o teste e falei: “Vou fazer só pra descargo de consciência, pra ficar tranquila pra poder fazer essas provas bem.”. Meu Deus! Saí do banheiro com o teste positivo. E minha amiga: “Ah, tá brincando, né?”. E eu: "Não tô brincando! Vem aqui ver!". Nossa, foi um susto, mas foi bom!


Então, engravidei no final do segundo ano e fiz todas as disciplinas do primeiro semestre do terceiro ano. Fiz bastante disciplinas grávida dela, acho que foi o semestre mais puxado que eu tive. E ainda, em uma parte da disciplina de cardio, a gente tinha que ir lá no Instituto de Cardiologia.


Ela nasceu em Julho e em Agosto começavam as aulas. Aí eu tranquei metade das disciplinas, fiquei os primeiros 15 dias sem ir, faltando mesmo, e comecei a ir nas aulas quase no final de agosto. Como eu tranquei metade das disciplinas, eu ia só em um turno… não lembro se ia só de manhã ou só de tarde. Daí eu diluí 2 anos de curso em 3 anos, ou seja, atrasei um ano. Alguns colegas que entraram comigo se formaram agora e eu vou me formar próximo ano.


Então esse foi o terceiro ano. Aí o quarto ano veio a pandemia. Começou a pandemia, eu engravidei na pandemia e tive o bebê durante a pandemia. Eu fiz o quarto ano totalmente a distância, não teve prática nenhuma, não tinha que ir pra faculdade. O Estevão nasceu e, com dois meses e 15 dias, eu comecei o internato. Como eu tava morando aqui perto, consegui pedir um estágio que era mais tranquilo na pediatria, que tinha menos carga horária e tal. Faz um ano então que eu comecei no internato, um ano e pouquinho.


Não consigo nem imaginar como foi essa pandemia trancada com 3 crianças e uma faculdade.


O bom é que a gente mora perto do parque e eu nunca deixei de vir na Redenção. Porque eu falei assim: “Olha, a gente tem que escolher os riscos, né?”. Não, nunca não. Por uns 15 dias eu fiquei trancada dentro de casa. E foi aí que eu tive a certeza que eu não tinha condições. E decidimos que pra nossa saúde mental, a gente ia ter que ir na Redenção.


No começo a gente não ia em parquinho nem nada, só ficava em área aberta. E aí conforme a pandemia foi arrefecendo, e a gente começou a ir em parquinho com as crianças. Mas foi um período louco, porque não tinha prática, mas tinha que estudar bastante, né? Tinha aula o tempo inteiro, tinha prova online, tinha professor que pedia pra câmera e o áudio ficarem abertos durante a prova. Inclusive teve uma vez que meu filho caiu no meio da prova e o professor perguntou: "Quem é essa criança?". Eu tenho minha casa aqui, né? Fazer o quê?


E as crianças não ficavam te demandando muito? Tu conseguia separar o horário de assistir aula e conseguir mantê-los distantes?


É, a gente sempre explicou que agora a mamãe está em aula. E aí eu entrava pro quarto e trancava a porta. E eles tinham que entender, fazer o que? Eu trancava a porta e às vezes eles iam lá e batiam na porta, daí tu diminui o volume ou fecha o áudio. Mas em geral foi tranquilo.


E como eu tinha diluído as disciplinas no tempo, por um período eu fiz menos disciplinas que os meus colegas. Então, até quando o Estevão nasceu, eu não tinha terminado o quarto ano ainda, mas estava só com duas disciplinas. E foi engraçado porque ia ter aula na quinta de manhã e ele nasceu na madrugada de quarta pra quinta. Aí meus colegas comentaram que eu faltei e eu mandei mensagem: "Ah, desculpa gente é que eu tava parindo.". Risos. Mandei uma foto pra eles, foi bem legal.


E como foi o acompanhamento dos teus colegas, eles foram bem receptivos ou tu ficou mais isolada?


Eu tinha algumas amigas bem próximas, muito queridas, que sempre me ajudaram muito com material, resumo, me lembravam das provas, com essa questão de organização e tal. Mas eram poucas pessoas porque quando entrei na faculdade eu era casada, eu já tinha 25 anos e aí tu tem outro ritmo, outro contexto. Realidades diferentes.


Mas na medida do possível, sim, tinha bastante ajuda dos colegas. Só que depois eu mudei de turma, né? Agora eu tô numa turma que eu não conheço muita gente. Ainda mais com a pandemia, acabei não conhecendo eles presencialmente.


Tem gente que me pergunta: “Como que tu consegue?”. Eu abri mão de algumas coisas, entendeu? Meus colegas não tem filhos, mas assistem muitas séries, eles fazem atividade física de uma forma regular, eles fazem outras coisas que não são a medicina. Em vez de estar fazendo essas coisas deles, estou sendo mãe. Existe tempo suficiente.


E também outra coisa, eu acho que antes o curso de medicina era mais demandante de tempo. Por exemplo, o internato. Realmente, antes eles ficavam o dia inteiro. Hoje não é mais assim, com a lei do estágio não pode. Tem essa coisa de achar que a medicina é um curso exorbitante, mas não é tudo isso. Eu fiz a biologia antes, então tenho esse comparativo, só que eu também tinha menos maturidade quando eu fiz a biologia, aí talvez tem um viés de idade. Mas eu acho que essa ideia sobre o curso é um pouco cultural, mesmo.


A nossa cultura não é muito receptiva para mães e crianças. Durante a pandemia teve bastante essa discussão, por exemplo, sobre as crianças aparecerem em reuniões ou aulas virtuais. Em algumas situações isso foi flexibilizado um pouco, em outras não. Fiquei curiosa nesse sentido também, o quanto os teus colegas e professores te deram esse suporte pra tu conseguir fazer ou se tu sentiu dificuldade nesse sentido.


Nesse período, eu tive poucos professores que deram esse apoio. Até por causa dessa cultura. Tu entra no primeiro ano da medicina e tu começa a ser bombardeado com essa ideia: tu entrou nesse curso, agora tu vai mergulhar de cabeça, tu vai ter que viver pra medicina, agora tu não vai mais ter vida pessoal. É uma lavagem cerebral. Agora tua vida é só isso, agora tu vai só estudar.


Aí quando chega uma aluna que engravida, que vai ter uma outra prioridade, porque é óbvio que o filho vai ser a prioridade, eles tem uma postura de “coitada”, “essa daí vai ser uma profissional ruim” ou “essa aí nem vai pra frente, vai abandonar o curso ou vai fazer de qualquer jeito”. Por exemplo, teve um professor, quando eu tava à distância, que eu pedi pra ele me mandar o trabalho que eu tinha que fazer para conseguir a nota, e ele falou algo do tipo: “Nem precisa fazer nada, tu vai ganhar tua nota, porque a tua prioridade não é mesmo a faculdade”. Como quem diz: “não vou perder meu tempo contigo”.


Tem essa coisa de achar que tu não vai ser boa o suficiente porque tu teve filho durante a faculdade. Mas pelo contrário, eu sempre me dediquei muito, tanto ou mais que a maioria dos meus colegas. E eu sempre senti que estava sendo mais cobrada pra ser reconhecida da mesma forma que os meus colegas, sabe? Por exemplo, eu não podia faltar porque se eu faltasse eu sentia que era julgada: “é claro que ela vai faltar, ela é mãe”.


Eu sempre me puxava pra apresentar os trabalhos bem feitos, nunca usei a maternidade ou meus filhos como motivo pra não ir ou pra conseguir qualquer privilégio. Eu não queria que tivessem motivo pra dizer que eu consegui porque os professores deram mole, que eu era “café com leite” porque tenho filhos. Eu tinha esse orgulhinho de não querer deixar ninguém falar nada, sabe? Então eu sempre senti essa cobrança e nunca deixei passar.


Teve algumas situações constrangedoras. Uma professora minha falou assim: "Tá guria, mas o que aconteceu contigo?". E eu: "Como assim?". Ela: "Não, como é que tu engravidou? Não se cuidou?". Daí eu falei assim: "Olha, eu tenho 25 anos, tenho 3 anos de casada e eu queria construir uma família." Falei assim, e ela ficou com a cara no chão. Mas é pra ver mais ou menos a ideia que as pessoas têm. Eu fazia questão de falar que eu era casada, tinha família. Que não foi impensado... e mesmo que fosse! Mesmo que eu tivesse engravidado sem querer. Quem tem a ver com a minha vida!? Que julgamento é esse?


Teve um outro professor, quando eu tava no 3o ano, que falou pros meus colegas: "Quando vocês tiverem no internato, cuidem pra não ficar na equipe dela. Senão vocês vão ter que ficar cobrindo os plantões dela porque ela vai ter que cuidar do filho.". Sendo que eu já tava na segunda filha e ele nem sabia. Ele ficou sabendo só que eu tinha acabado de ter uma. Aí fiquei com aquela cara e todo mundo meio que riu, aquela brincadeira sem graça.


Mas no primeiro ano teve uma professora que me ajudou muito, a Josenel, da patologia. Ela também teve filho na graduação ou na residência. Daí ela falou pra mim: "Vai lá! Tu vai conseguir! Vai firme, não desiste, tu vai conseguir.". Me ajudou muito! Mas são poucas, essas pérolas. E principalmente mulheres que já passaram pela situação.


Exato. E é triste, considerando que são pessoas da medicina. Mas enfim, o mundo é machista independente de curso, independente de lidar ou não com pessoas.


Uma coisa que eu queria falar, que tem muito a ver, acredito que a maternidade me ajudou a fazer a faculdade. Porque na maternidade tu acaba vivendo muito mais o presente. Eu fico pensando: “mas o que que eu fazia da minha vida antes de ser mãe?”. Parece que eu não vivia a minha vida no presente, tava sempre na expectativa do que ia vir. E como as crianças crescem muito rápido e elas demandam aquela atenção naquele momento, tu tem que sentar com ela ali, tu tem que olhar pra ela no olho dela pra ensinar, pra educar e tal, parece que tu vive muito mais o presente.


E aí eu levei isso pra faculdade também. Porque de que adiantava, na época que ia nascer a Ana Lívia, por exemplo, eu ficar criando expectativa de como seria e o que eu faria? Então eu comecei a ter essa estratégia de pensar no problema quando ele chega, e não antecipar o problema. Então quando foi pra Ana Lívia nascer, as pessoas me perguntavam: "E o que tu vai fazer quando ela nascer?". Eu falava: "Não sei, quando chegar lá eu decido.". E realmente, eu só decidi que eu ia trancar metade das disciplinas quando ela nasceu.


Então fica mais leve, sabe? No primeiro ano, quando eu engravidei do Timóteo, eu pensei: "Nossa, tem seis anos de curso. Como é que vai ser seis anos com uma criança?". Agora eu já penso: “Calma, cada problema no seu tempo, quando chegar lá eu vou decidir”. Então é uma coisa que eu ganhei na maternidade que me ajudou muito.


E eu vejo que todo mundo poderia ter essa estratégia. Pensar dessa forma, ajuda muito, né? Meus colegas mesmo, às vezes eu os vejo sofrendo antecipadamente por uma coisa. E não adianta, quando chegar o momento, aí é que tu vai ter condições de decidir sobre isso. Agora tu não tem condições, tu não tem todos os fatores que vão estar envolvidos ainda. Tu não sabe! Então, espera…


Sim! Eu já pensei algumas coisas nesse sentido. As pessoas me falam que a maternidade te ensina a ser menos controladora na marra. E eu, que não sei se serei mãe, tô tentando aprender a ser menos controladora de outras formas. Tentando não precisar viver a maternidade para aprender isso. Mas não sei muito bem como. Risos.


É, porque é uma das situações que tu fica meio contra a parede. Ou tu aprende, ou tu aprende. Que nem, se tu não tem filhos e eu quer muito aprender tal coisa ou quer muito ser de tal forma, mudar esse tal jeito, ser mais calma, mais paciente, por exemplo, beleza, tu pode até conseguir. Mas se não tem uma situação que te coloca ali contra a parede, parece que não vai.


Ou então tu vai passar por outras situações, por exemplo, eu tenho colegas que tiveram situações dificílimas durante o curso, que tiveram doenças na família, que tiveram situações que trouxeram muito aprendizado pra eles que não foi a maternidade, que também consumia muito tempo, que trouxe crescimento pessoal e tal. Claro que tem coisas que são únicas da maternidade, mas, em geral, são coisas que tu consegue aprender de outra forma também.


E costumam ser eventos um pouco mais traumatizantes, mais radicais. Porque no dia a dia tu até aprende, talvez com terapia, mas num tempo muito devagar, num processo muito mais lento, de uma forma diferente.



 

Fico tão feliz que você tenha acompanhado todo o nosso papo!

Aposto que se você consegue se identificar com muitas situações que a Diana viveu mesmo sem ter cursado a faculdade de medicina, né?


Mas ainda não acabou! Em breve teremos a última parte dessa conversa deliciosa com a Diana e será sobre outros aspectos da sua maternidade tripla! Fique atento para a próxima edição da Rede de Afeto!


E se essa conversa te tocou em algum lugar, sinta-se à vontade pra deixar seu comentário aqui embaixo, claro com carinho e respeito! Você também nos encontra nas redes sociais (tem link no rodapé da página)!


Entre e seja bem-vindo pra essa conversa!

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