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Foto do escritorIsadora B. Esperandio

Você conhece o cação? E sabe dos perigos de comer sua carne?

Atualizado: 13 de ago. de 2021

Você já comeu carne de cação? Tem uma receita especial pra ele? Talvez moqueca? Sabia que cação é outro nome comum para tubarão? Se você não sabia, calma! Você não tá sozinho nessa!


Você já deve ter ouvido falar que no leste asiático, principalmente em comunidades de cultura Chinesa, a barbatana de tubarão é uma iguaria utilizada na sopa que simboliza riqueza e luxo e acredita-se que é afrodisíaco. Mas a carne de tubarão, por sua vez, não é valiosa e quase não tem comércio, exceto no Brasil e no México.


Segundo um relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) de 2015, o Brasil é o maior importador de carne de tubarão do mundo, é também o 11º produtor mundial de tubarão para consumo interno e externo e o 17º exportador mundial de barbatana de tubarão.


Quando eu li isso, eu pensei: como assim? Eu nunca vi carne de tubarão pra vender no mercado! Não podemos ser o maior consumidor do mundo! E aí veio o clique: o “outro nome” para tubarão é cação (esse nome também é usado pra raias)!


Vamos fazer um pausa aqui e relembrar um pouquinho de biologia? Lembra que na época da escola você aprendeu que os animais eram classificados hierarquicamente em Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie?


Entre essas divisões existem outros subgrupos ou supergrupos. Pois então: dentro da Superclasse Peixes, temos a Classe Actinopterygii, que são a grande maioria dos peixes que conhecemos, a Classe Chondrichthyes, que são as raias, tubarões e quimeras, e outras 3 classes.


A classe dos condrictes é caracterizada por serem peixes com esqueleto cartilaginoso (em vez de ósseo). As quimeras são uma Subclasse que, na sua maioria, é formada por aqueles peixes bem estranhos que vivem nas profundezas do oceano e que raramente são vistas.


As raias e os tubarões, por sua vez, formam a Subclasse Elasmobranchii (os elasmobrânquios), que se dividem na Superordem Selachimorpha (tubarões) e Superordem Bathoidea (raias, ou arraias).


Parei por aqui, juro! Espero que você não tenha desistido de ler. Tudo isso foi pra introduzir alguns nomes e relembrar alguns “parentescos” entre os animais.


Tubarão azul (Prionace glauca) uma das espécies de tubarão mais pescadas. Foto: UFRGS - Fauna Digital RS
Tubarão azul (Prionace glauca) uma das espécies de tubarão mais pescadas. Foto: UFRGS - Fauna Digital RS

Hugo Bornatowski e colegas fizeram uma pesquisa com consumidores de Curitiba em 2015 perguntando se as pessoas já tinham consumido cação, tubarão e raia, e perguntaram o que achavam que eram o cação. Descobriram que 61% das pessoas alegavam ter comido cação, mas não ter comido tubarão ou raia, e 42% achavam que cação era um peixe marinho.


Teoricamente, não está errado colocar o nome cação nos rótulos desses peixes, mas a não associação com tubarões e raias é uma estratégia para a carne ser vendida com mais facilidade. Além disso, as peças geralmente já vem cortadas, limpas, muitas vezes congeladas, não tem como saber o que é!


Aí em 2018, Fernanda Almerón-Souza e colaboradores publicaram um trabalho em que adquiriram 63 amostras de cação nos mercados e peixarias do RS e SC e analisaram geneticamente a carne pra descobrir qual era a espécie, e encontraram 20 diferentes espécies!


Dessas, 2 eram da Classe Actinopterygii, dentre as outras 18 espécies, 5 eram de raias e 13 de tubarões! Os mais comuns eram o tubarão-azul (Prionace glauca, espécie mais caçada no mundo, 15 das 63 amostras) e o tubarão-martelo-recortado (Sphyrna lewini, 14 das 63 amostras).


Tubarão-martelo-recortado (Sphyrna lewini) espécie comumente pescada e ameaçada de extinção no Brasil. Foto: Smithsonian Ocean.
Tubarão-martelo-recortado (Sphyrna lewini), criticamente ameaçada de extinção no Brasil. Foto: Smithsonian Ocean.

Ok, ok… mas qual o problema de comer carne de tubarão?! O primeiro deles é que os tubarões e as raias são super sensíveis à pesca porque eles demoram pra chegar na idade de ter filhotes e quando tem, não são tantos.


Então quando se pesca mais do que os animais são capazes de se reproduzir, as populações vão diminuindo, diminuindo, diminuindo até sumir! Dessas espécies que a Fernanda encontrou no mercado, 53% são consideradas ameaçadas de extinção no Brasil, a maioria dessas na categoria mais alta de ameaça!


By Javontaevious - Own Work Previously published: Quayshaun Srcrowder@Twitter.com, CC BY-SA 3.0, https://en.wikipedia.org/w/index.php?curid=37835282
Raia-Viola (Pseudobatos horkelii), espécie ameaçada de extinção no Brasil. Foto: Javontaevious

Segundo a legislação brasileira (Portaria do Ministério do Meio Ambiente Nº 445 de 17/12/2014 e Portaria Nº 73, de 26/03/2018), as espécies ameaçadas de extinção constantes da lista oficial brasileira devem ser protegidas de modo integral, incluindo, entre outras medidas, a proibição de captura, transporte, armazenamento, guarda, manejo, beneficiamento e comercialização. Mas o governo não sabe o que está sendo vendido, nem pescado!


As pescarias licenciadas não têm como alvo os tubarões, eles são classificados como pescaria incidental, e ainda muito do que é pescado é subnotificado. Os consumidores não sabem o que estão comprando e, segundo a pesquisa do Bornatowski, 69% dos consumidores não sabiam que um quarto das raias e tubarões estão ameaçados de extinção e portanto, são ilegais!


O segundo problema é que por serem predadores de topo de cadeia, além de equilibrarem o ecossistema marinho, eles acabam por ser bioacumuladores de metais pesados. Ou seja, os humanos poluem as águas dos rios e oceanos com produtos químicos, dentre eles metais pesados e tóxicos como o mercúrio e o arsênio.


Esse material vai parar nas plantas aquáticas, depois nos animais herbívoros que vão consumir essas plantas aquáticas. Depois nos animais carnívoros que vão consumir esses animais herbívoros. Depois em animais carnívoros maiores, que vão consumir esses outros carnívoros. Depois em nós, humanos, que consumimos esse último. Quanto mais longa essa cadeia, pior! E mercúrio, por exemplo, causa danos no sistema nervoso!


Não faz bem pra eles, nem pro meio ambiente, nem pra nós! Se não sabemos o que estamos realmente comprando, então a melhor solução é não comprar cação! Use o seu poder de consumidor consciente!


Fontes, além dos artigos científicos:

Reportagem BBC Brasil (25/09/17): https://www.bbc.com/portuguese/brasil-41356540

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